Vinícolas gaúchas correm em busca de Indicação Geográfica

Regiões buscam certificação como forma de agregar valor aos produtos do campo.

Desde que o Marquês de Pombal consagrou o Vale do Douro, em Portugal, como uma região demarcada para a elaboração de vinhos, há mais de 300 anos, a Europa não parou mais de criar denominações de origem para proteger a autenticidade e a qualidade de produtos agroalimentares como vinhos, destilados, queijos, presuntos e outros (Itália e Hungria reivindicam a primazia desta ideia, com as demarcações de Chianti e Tokaj). A experiência francesa, uma das mais conhecidas hoje em dia, remonta ao século 18, quando surgiu a primeira Apelação de Origem: Châteauneuf-du-Pape. Hoje, são mais de 5.200 denominações regionais em toda a União Europeia.

No Brasil, que segue o modelo europeu, o boom das Indicações Geográficas para vinhos começou há pouco mais de dez anos – com o Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha (22/11/2002). Não por acaso, o Rio Grande do Sul é hoje um dos Estados com maior número de Indicações Geográficas (IG) reconhecidas pelo INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial). No Vale dos Vinhedos, as terras se valorizaram entre 200% e 500% e o número de visitantes cresceu 168% entre 2001 e 2007. Este ano serão mais de 200 mil visitantes. Um hectare, que há dez anos valia R$ 20 mil na região, hoje pode valer R$ 500 mil.

Além das regiões vinícolas do Vale dos Vinhedos, de Pinto Bandeira, dos Altos Montes e de Monte Belo do Sul, na Serra do Nordeste, que já possuem IGs, o Litoral Norte possui a sua Denominação de Origem (DO) para o arroz, e a Campanha, uma Indicação de Procedência (IP) para a Carne do Pampa.

As IGs concedidas pelo INPI dividem-se em Indicação de Procedência (IP) e Denominação de Origem (DO). As DOs são o topo das IGs brasileiras para vinhos e alimentos como carne, arroz, cachaça e café, entre outros produtos – nem sempre agroalimentares. As panelas de barro das paneleiras de Goiabeiras, em Vitória (ES), por exemplo estão em vias de obter uma IG.

O número de IGs gaúchas ainda é pequeno, se comparado ao de demarcações regionais em países da União Européia (Champagne, Cognac, Chianti, Douro, Roquefort, etc). Mas o interesse crescente pelo assunto mostra que os produtores rurais gaúchos estão cada dia mais conscientes da necessidade de pleitear uma identidade própria para seus produtos. Até mesmo os tradicionais doces de Pelotas, herdeiros da secular doçaria portuguesa, podem vir a ser contemplados como uma IG.

Campanha Gaúcha
Foto: Irineu Guarnier

Atualmente, diversas regiões do Estado buscam – ou pensam em buscar – esse tipo de reconhecimento, como forma de agregar valor aos produtos do campo. A Campanha Gaúcha, por exemplo, quer uma IG para seus vinhos, produzidos hoje de Candiota à Itaqui (Fronteira do Brasil com Uruguai e Argentina) por 16 vinícolas. Um projeto, envolvendo mais de 70 pesquisadores e técnicos, com o objetivo de determinar a influência do terroir sobre os vinhos da região, está em curso. Para as entidades envolvidas, uma IG deve qualificar e valorizar mais ainda os vinhos da Campanha – jovem e promissora região vinícola brasileira.

O Sul e o Oeste do Estado têm clima, solos e topografia adequados à produção de vinhos. Grandes vinícolas da Serra, como Miolo e Salton, estão migrando para lá, além das que já se estabeleceram na região há mais tempo, como Almadén (hoje pertencente ao Miolo Wine Group) e Santa Colina. A vitivinicultura e o enoturismo estão mudando a paisagem e a economia da Fronteira. Para melhor, certamente. Porque onde há produção de vinho não existe miséria. Um belo projeto enoturístico da Campanha é a vinícola Guatambú Estância do Vinho, da família Pötter, em Dom Pedrito, quase fronteira com o Uruguai. O sucesso do empreendimento inspira outros vitivinicultores da região.

As regiões de Farroupilha e dos Campos de Cima da Serra também trabalham para conquistar suas IGs. Farroupilha, na Serra Gaúcha, busca uma IP para seus espumantes moscatéis. Estudos da Embrapa, ainda inconclusos, apontam que a uva Moscato Branco pode existir atualmente apenas naquela região. Isso, por si só, já seria uma boa razão para pleitear uma IG. Já a região dos municípios de Vacaria e de Muitos Capões, a cerca de mil metros de altitude, nos Campos de Cima da Serra, que abriga hoje seis vinícolas, também começa a se organizar para pleitear uma IG junto ao INPI.

Uma IG é garantia de qualidade? Não necessariamente. É muito mais um atestado de identidade regional de um produto. Como tal, garante que um vinho, por exemplo, foi elaborado em determinada região geograficamente demarcada, com certas variedades de uvas, e de acordo com algumas regras para a vinificação e o amadurecimento da bebida. Se o vinho será bom ou não, isso é outra história… Até porque “bom” e “ruim” são conceitos bastante relativos. Essas regras podem ser mais ou menos rigorosas – e podem mudar a qualquer tempo, quando os produtores entenderem que seja necessário e houver consenso.

Na Europa, muitos vitivinicultores se insurgem, algumas vezes, contra o rigor das normas, que podem prejudicar a competitividade de seus produtos em mercados que não seguem regras tão rígidas, como o norte-americano. Caso dos produtores dos chamados “vinhos supertoscanos”, da Itália, que a partir da década de 1970 passaram a incorporar nos blends de seus rótulos uvas de castas francesas, como Cabernet Sauvignon e Merlot, proibidas pelas regras das denominações de origem regionais. Por isso, os produtores brasileiros precisam avaliar com muito cuidado os prós e os contras de aderir incondicionalmente a uma IG – decisão que pode agregar prestígio e valor a seus produtos, mas que também pode engessar a criatividade e limitar a ousadia comercial.

 

Fonte: Revista Globo Rural